sábado, 30 de dezembro de 2006

> Acreditar no futuro...

O primeiro-ministro José Sócrates, na sua mensagem de Natal ao país, traçou um cenário muito optimista em relação ao futuro de Portugal. Falou dos resultados já conseguidos e reconheceu que algumas políticas do Governo têm causado dificuldades aos portugueses. José Sócrates só podia ter este discurso. Ouvindo o chefe do governo, pareceu-me que acreditava no que estava a dizer aos portugueses. Fiquei com a ideia de que Sócrates está convencido de que este é o caminho para que o país corrija alguns problemas estruturais crónicos que estão na base do atraso que tem em relação aos seus parceiros europeus. Sócrates e os seus ministros devem prosseguir o seu trabalho, mostrando-se impermeáveis aos poderes corporativos da nossa sociedade, que têm procurado impedir a implementação de reformas que comprometem algumas regalias injustificadas.


Mas Sócrates não pode ficar encandeado pela frieza da linguagem tecnocrata, ordenando todas as suas políticas em função de critérios meramente estatísticos, que muitas vezes, qual autêntica enxurrada, acabam por levar ao sufoco das classes mais frágeis da nossa sociedade, nomeadamente as que menos folga tinham para suportar o embate de algumas decisões deste Governo. Também me parece que algumas medidas devem ser corrigidas, pondo fim a um afunilamento de investimentos cada vez mais evidente nas regiões do litoral, conduzindo a um atrofiamento do interior deste nosso país, cada vez mais vergado ao fenómeno da desertificação.

Bem sei que deve ser problemático compaginar todos os interesses, procurando, em nome do interesse colectivo, levar por diante as reformas necessárias, mas, ao mesmo tempo, criar condições para minimizar o seu impacto negativo nos portugueses menos favorecidos, nomeadamente os do interior, onde os rendimentos são mais baixos. Esse é o principal desafio de Sócrates e de Portugal. Só os grandes governantes serão capazes de o fazer. Se o país crescer, com certeza que, a prazo, vai reunir melhores condições para prestar assistência a quem mais precisa. Se o país crescer, a economia fica mais forte, criam-se mais empregos e, em teoria, reduzem as situações de exclusão social. Quero acreditar: este é o grande desígnio de Sócrates, um primeiro-ministro com sensibilidade social, à qual deve fazer jus nos próximos anos, temperando alguns excessos tecnocratas.

Um próspero Ano Novo para todos.

sábado, 23 de dezembro de 2006

> É Natal


É da praxe nesta altura do ano escrever um texto sobre o Natal. Com muita franqueza, face ao volume intenso de trabalho a que tenho estado sujeito nas últimas semanas, quase não tive ainda a sorte de sentir o espírito da quadra.
Admito, aliás, que de ano para ano tenho mais dificuldade em senti-lo, pelo menos na forma e na intensidade de outros tempos. O reboliço do dia a dia quase trucida a possibilidade de pararmos para pensar no chamado espírito natalício, que por estes dias a publicidade procura reproduzir em tons de fantasia, em doses industriais. De tal forma assim é que olhamos para tudo isto com uma sensação estranha de artificialismo. Sentimos que há uma máquina poderosa por detrás desta imagem magnânima do Natal. É uma máquina comercial que procura vender tudo e mais alguma coisa, tirando partido de uma sociedade cada vez mais materialista, que tem o seu clímax nesta quadra de consumismo exacerbado. Muitas pessoas perdem-se nesta altura do ano. Gastam enormes quantidades de dinheiro em verdadeiras inutilidades que oferecem apenas para cumprir uma espécie de ritual. Para mim, o Natal é diferente. Nas poucas horas que lhe dedico, procuro fazê-lo de forma mais qualitativa do que quantitativa. Passo a explicar: ligo muito pouco aos presentes, excepto os que se destinam às crianças, essas sim, credoras da nossa atenção especial, também no gesto de oferecer algo que lhes proporciona tanta alegria. Quanto aos adultos, o tratamento é diferente. Para alguns, poucos, os que me dizem mais ao coração, não esqueço um presente, que procuro seja muito especial. Para os demais, inclusive familiares, com a concordância desses, reservo apenas a minha presença sentida na noite ou no dia de Natal. É uma decisão partilhada e recíproca que tomámos há alguns anos. Não gastamos assim tanto dinheiro em pares de meias, perfumes ou outras inutilidades, mas mantemos o espírito natalício do convívio à volta das batatas cozidas com bacalhau, enquanto, por entre uma rabanada e um prato de aletria, aguardamos o momento sempre tão bonito de convidar as crianças da família a abrir os presentes deixados pelo Pai Natal.
É uma delícia para os olhos e um bálsamo para o coração vermos a alegria dos nossos meninos. Sentimo-nos também crianças e o espírito impele-nos para junto dos mais novos, com os quais experimentamos as delícias de brincar com as novidades deixadas pelo Pai Natal.
Mas Natal é também o tempo em que muitos negócios aproveitam para fazer um pé-de-meia. Tanta gente espera esta quadra na expectativa de poder recuperar de um ano parco em receitas. O Natal tem esta veia de consumismo, mas reconheçamos que esse, na óptica de quem vende, tem mesmo de existir. Faço esta reflexão lembrando sobretudo o pequeno comércio, cada vez mais sujeito a uma pressão enorme das grandes superfícies comerciais. O comércio tradicional enfrenta um desafio enorme, que poucas lojas estarão em condições de vencer. Não tenho dúvidas de que os anunciados centros comerciais nestas cidades pequenas, como o que está previsto para Amarante, acabarão com o que resta do nosso pequeno comércio. Poucas lojas saberão e terão capacidade de resistir, confrontadas com a concorrência de uma superfície comercial recheada de lojas moderníssimas, com marcas da moda e com um design atraente. As novas gerações não têm o hábito de percorrer os centros históricos no comércio tradicional. Preferem o conforto do ar condicionado dos centros comerciais, onde encontram as lojas das marcas preferidas e a comida de plástico que tanto apreciam. No galgar dos anos, o comércio tradicional vai definhando e só sobreviverá o que for capaz de se renovar, procurando ir de encontro às necessidades das novas gerações.
Num futuro não muito distante, o Natal, no que ao consumismo diz respeito, vai ser quase um monopólio das catedrais do consumo, deixando às moscas as ruas de cidades que noutros tempos fervilhavam de sensações nesta altura do ano.
Todos vamos preferindo, cada vez mais, o calor do centro comercial, ao frio e à chuva das calçadas, ainda que recheadas de história…
São os ditames dos nossos tempos.
Ainda assim, feliz Natal para todos.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2006

> Natal em Amarante (foto Armindo Mendes - direitos reservados)

Numa noite fria e de nevoeiro... uma quente imagem do Natal amarantino....

> Muitos partem...

Tenho observado nos últimos meses a partida de algumas pessoas do meu rol de amizades para alguns países europeus à procura de melhores dias. Vão tristes por deixar a sua terra, mas esperançados em dias melhores.
Esperam sobretudo muito trabalho, quase sempre pouco qualificado e que os cidadãos dos países de destino não estão dispostos a fazer. Construção civil, agricultura e hotelaria são as principais actividades, a troco de um salário mínimo nos países de acolhimento, mas interessante atendendo ao nosso paupérrimo poder compra. Nos dias que correm, uma remuneração de 1500 ou 2000 euros é muito difícil de se conseguir em Portugal, mas lá fora, com um pouco de sorte, assegura-se esse ordenado, o que tem permitido a alguns fazer algumas economias para fazer face aos encargos domésticos.
Em Portugal deixam, não raras vezes, mulheres e filhos. Alguns que conheço não disfarçam o sofrimento que essa situação lhes provoca, mas a ela têm de se resignar, vergados à imperiosa necessidade de ganhar pão para si e para os seus. Nos olhos de um amigo próximo, nos momentos da partida, percebe-se uma tristeza imensa que nos contagia e nos deixa uma sensação azeda...
É triste esta situação. É triste vivermos num país que se diz desenvolvido e não reúne condições para que as pessoas que por cá vivem possam ter direito a algo tão essencial como o trabalho. O que dizer disto, quando vemos que, em simultâneo, tanto dinheiro é desperdiçado por uns quantos, ditos das classes mais favorecidas? É triste percebermos que neste país o fosso entre os mais necessitados e os mais abastados se acentuou neste período de crise prolongada, como se vai percebendo pelas vendas em alto dos veículos topos de gama. Tento, em vão, perceber a que se deve esta tendência. Os especialistas em “economês” afirmam que estas assimetrias são normais em fases de recessão económica, o que parece ser uma inevitabilidade cruel que muitas empresas aproveitam de forma perversa. Por exemplo, custa-me perceber que país é este onde muitas empresas em vez de apostar na excelência e na qualificação dos recursos humanos, preferem usar e abusar de mãos de obra barata e nem sempre com a qualificação ou experiência mínimas.
Permitam-me que, a propósito do que já escrevi, reflicta um pouco sobre o que se vai passando na minha área profissional – a comunicação social –, eventualmente algo que não será muito diferente do que acontece noutras áreas laborais. Há cinco anos, a maioria dos jornalistas da minha geração, que vagueiam na casa dos trintas, ocupavam cargos de destaque nos principais jornais e rádios da região. Eram, por isso, profissionais razoavelmente remunerados. Chegados os primeiros sinais de crise económica, que rapidamente afectaram as empresas de comunicação social, estas confrontadas com uma baixa acentuada do volume de publicidade – a sua principal receita – logo tiveram a compreensível necessidade de avançar com uma política de contenção de despesas, em alguns casos também na área dos recursos humanos. Até aqui tudo normal. Menos normal se tornou a tendência que então se adoptou, que passou por, gradualmente, ir dispensando os jornalistas mais experientes, que foram considerados um peso excessivo, atendendo aos salários que auferiam. Esta política foi seguida de outra ainda mais censurável, que passou pelo convite a um sem número de estagiários em regime precário, isto é, com o mero expediente do recibo verde, que passaram a desempenhar as funções dos dispensados. Dirão alguns, foi a forma encontrada por algumas empresas de comunicação social para continuar a trabalhar. Por tudo isto, não se admirem as pessoas da perda de qualidade da maioria dos órgãos de comunicação social de uma região deprimida cuja economia tem dificuldade em sustentar os jornais que por cá existem. Enquanto os ditos estagiários, são convidados a manter o seu regime precário por tempo indeterminado, alguns jornalistas de qualidade na nossa região estão no desemprego há meses, nalguns casos há anos. Ninguém lhes dá trabalho, simplesmente porque são “demasiado” caros e porventura saberão demais, ao ponto de poderem reclamar aquilo a que qualquer trabalhador tem direito.
Um desses jornalistas, que foi em tempos não muito distantes, chefe de redacção de um importante jornal do Vale do Sousa, dizia-me, desencantado, que tinha recebido uma proposta para ir para Inglaterra apanhar tomates. Dizia-se tentado a aceitar o desafio.
“Estou farto de nada fazer”, afirmava-me ao telefone, logo me pedindo a minha opinião.
Não fui capaz sequer de esboçar uma resposta.

Era inevitável?

Para grande tristeza de muitos amarantinos, consumou-se o há meses anunciado encerramento da maternidade do Hospital de S. Gonçalo, um dos poucos equipamentos que distinguia Amarante dos demais concelhos do Baixo Tâmega.
Este é um momento que nos deve a todos fazer reflectir face ao país que temos e o Portugal que queremos legar aos nossos filhos e netos.
Assumi por diversas vezes, em editorial, a minha firme oposição a esta medida do governo, que considero injusta, sobretudo porque se baseia em pressupostos alegadamente técnicos, cuja sustentação tem sido rebatida em vários fóruns com participação de pessoas avalizadas na matéria. Reafirmo a minha convicção de que esta decisão do ministro Correia de Campos assenta em critérios economicistas, que mais não visam do que concentrar serviços e assim diminuir despesas, aliás na linha de outras políticas para o sector, como aquela que já está prevista para as urgências médico-cirúrgicas que vão encerrar em vários hospitais do país, inclusive no de Amarante, este, pelo que se tem ouvido, apenas durante a noite.
Sabemos que o país atravessa dificuldades e que este governo tem posto em marcha medidas corajosas para corrigir alguns desequilíbrios estruturais, as quais tenho, na maioria dos casos, enaltecido. Mas, em relação à saúde, muitas decisões têm ido, em minha opinião, longe demais. Em primeiro lugar, porque têm um impacto quase brutal nos extractos da população mais débeis, como os reformados e as famílias de menores posses económicas, agora obrigados a deslocações maiores a hospitais distantes e desenraizados da área de residência dos doentes. Para alguns de nós, possuidores de bom automóveis, uma deslocação a Penafiel até nem terá grande impacto nos orçamentos particulares, mas para centenas de reformados da região, de meios rurais, que têm de viver mensalmente com um minguo orçamento e nem sequer têm transporte próprio, uma deslocação ao Hospital Padre Américo ou outro qualquer, de autocarro ou de táxi, pode significar uma despesa enorme, que ninguém da tutela irá comparticipar.
Bem sei que muitos defensores destas medidas para a saúde do governo já estarão a chamar-me demagógico, avançando com um chorrilho de dados estatísticos que sustentarão a decisão de Correia de Campos. Mas a minha sensibilidade é outra: por mais adequada que pareça uma medida, quando analisada à luz de critérios genéricos aferidos nos distantes gabinetes ministeriais, não devemos nós, cidadãos comuns, esquecendo disciplinas partidárias, questioná-las quando olhamos à nossa volta e percebemos os impactos que essas decisões têm em muitas pessoas, que não passam de números insignificantes na visão tecnocrata de uns quantos políticos. Que importância terá para esses senhores o sofrimento de um idoso doente ou de uma família de uma mãe pobre agora obrigada a ter o seu filho lá longe em Penafiel? Com certeza pouca… Tão pouca quanto o peso que os concelhos de um interior cada vez mais desertificado têm à luz dos nossos políticos, que não querem ver o grave erro em que estão a lavrar, quando, esquecendo princípios de subsidiariedade que assumiram quando por cá passaram aquando das eleições, insistem em medidas que acentuam a fuga das populações do interior rural para um litoral cada vez mais sobrepovoado e com uma qualidade de vida em constante degradação, como se vê pelo aumento da criminalidade violenta dos grandes centros, o trânsito caótico e os níveis de poluição atmosférica e sonora.
Outros países da Europa, mais desenvolvidos do que o nosso, adoptaram medidas idênticas em décadas anteriores, concentrando serviços e investimentos em infra-estruturas nas maiores cidades. Hoje, os mesmos países, confrontados com um crescimento brutal da suas grandes cidades, onde crescem os bairros degradados, reconhecem o erro e começam a apostar em medidas no sentido inverso, investindo em serviços desconcentrados de qualidade que ajudem a fixar as populações do interior e assim aliviem a pressão sobre os grandes centros.
Infelizmente Portugal, também no tipo de políticas adoptado, também enferma do atraso crónico que nos transforma num dos países mais atrasados de Europa.