100 dias
Quando este fim-de-semana chegar já estarão cumpridos os primeiros 100 dias de governação municipal da Nova Esperança.
Este número – 100 dias – é, na política, muitas vezes, olhado como o timing simbólico a partir do qual se faz uma análise do trabalho realizado por alguém a título individual ou colectivo nesse período.
Fala-se em 100 dias de governação, fala-se em 100 de presidência da República e também se pode e deve falar de 100 dias de um qualquer executivo municipal.
Dizem os políticos experimentados com quem tenho falado recentemente, nomeadamente alguns autarcas da região, que 100 dias são mais do que suficientes para se passar para se projectar na opinião pública os primeiros e decisivos sinais quanto à valia de uma determinada dinâmica autárquica, de uma determinada personalidade.
A questão que se coloca no caso de Felgueiras é se será justo fazê-lo já, porquanto, dirão alguns, haverá um conjunto de factores que, de alguma maneira, mais ou menos mitigada, poderão ter criado dificuldades acrescidas à equipa que assumiu o poder há pouco mais de três meses.
Reconheça-se que o actual executivo foi obrigado a gastar muito do seu tempo a inteirar-se das matérias, muitas das quais com grau de complexidade elevado.
Comungo da opinião daqueles que dizem não ser politicamente sério exigir-se ao novo poder que em tão pouco tempo faça tudo o que prometeu na campanha eleitoral, principalmente porque o cardápio de promessas era ambicioso.
Acresce que a pesada herança deixada pelo longo período de governação de Fátima Felgueiras também será factor atenuativo de alguma falta de chama.
Concluir-se-ia, assim - defenderão alguns - que esta data redonda dos 100 dias é demasiado apertada para ser base de uma leitura aprofundada quanto ao que se passou nos paços do concelho. Ora, se assim é, mantém-se o estado de graça da actual equipa?
Creio que sim, embora, já não com o fulgor de tempos recentes. Sinceramente, considero que essa áurea se tem esvanecido a um ritmo demasiado rápido, o que se deve a um certo desapontamento de muitos felgueirenses que esperavam um início de mandato mais afoito, mais afirmativo, nos domínios da acção, mas também do discurso, de quem lidera a autarquia.
Essa opinião é, aliás, comungada por pessoas insuspeitas, inclusive da área política do poder que vão sussurrando...
Na minha carreira profissional já assisti a outras viragens políticas em concelhos vizinhos como Paredes, Penafiel e Baião. Nesses, o ímpeto de mudança dos primeiros tempos – os tais 100 dias - foi mais vigoroso, mais assumido de forma inequívoca pelos novos autarcas.
Celso Ferreira, Alberto Santos ou José Luís Carneiro protagonizarem um conjunto de acções políticas que marcavam propositadamente uma ruptura com o passado e promoviam uma imagem de transformação nos métodos, nos estilos e nos propósitos. Todos perceberam então que muita coisa mudara.
Por cá, para surpresa de muitos e de mim próprio, a assunção dessa ruptura está longe de acontecer, apesar de alguns sinais tímidos nesse sentido na área da acção social.
Com o capital de prestígio conquistado nas eleições de 11 de Outubro, graças à surpresa eleitoral que cá se verificou, fazendo os holofotes do país apontarem para estas paragens, Felgueiras devia estar hoje na moda no plano da acção política, sendo observado como um exemplo de mudança política que se traduziu numa viragem substantiva de políticas.
Infelizmente, os dados conhecidos apontam para uma evidência: a tal viragem não se verificou de forma inequívoca, o que - creio - se deveu a uma surpreendente incapacidade do executivo no que toca ao lançamento de políticas, acções inovadoras e projectos âncora que fizessem claramente a diferença face ao passado, justificando o imediato reconhecimento do eleitorado e a atenção dos diferentes poderes regional e nacional.
Também a recente vinda a Felgueiras de deputados de segunda linha do partido que governa o município deixa no ar a ideia de que, ao contrário do que aconteceu no passado, quando se era oposição, nestas paragens tem faltado força para justificar da nomenclatura laranja nacional uma atenção maior.
O orçamento municipal para 2010 é, por outro lado, o sinal mais emblemático de que pouco mudou face ao passado recente.
Também nestes 100 dias ficaram por cumprir duas medidas que foram bandeira eleitoral e que constavam do manifesto eleitoral da NE: o gabinete de apoio ao investimento e o gabinete de apoio às freguesias, ambos - prometia-se - com quadros técnicos e políticos de reconhecido mérito.
A constituição desses gabinetes teria sido uma mensagem de confiança muito forte para o eleitorado e por isso um sinal de esperança num concelho com tantos problemas.
Esses gabinetes - note-se - poderiam assumir-se como elementos diferenciadores e, acima de tudo, garantes de que esta câmara tinha uma rumo claro, que estava decidida a governar em moldes mais sustentados e programados, que alavancassem Felgueiras para o pelotão da frente no Vale do Sousa.
Apesar de tudo, como é óbvio, por se estar ainda no início do mandato, há ainda tempo para esta câmara arrepiar caminho, assumindo o papel de lhe cabe no desenvolvimento do concelho. Foi para isso que uma grande maioria de felgueirenses confiou, naquele dia histórico de 11 de Outubro de 2009, o voto a quem hoje governa.
Estancar sinais precoces de desgaste
Esses não devem em circunstância alguma enveredar por tiques de sobranceria de um certo poder do passado recente que o povo, com sabedoria de gente humilde, séria e trabalhadora, castigou nas urnas.
Os que foram eleitos sabem que não podem defraudar quem neles confiou. Sabem que têm de arregaçar as mangas, serem ambiciosos nos propósitos e mostrarem aquilo que valem, para, enquanto há tempo, estancarem o desgaste que já se vai adivinhando, sobretudo porque muitos felgueirenses, uns mais anónimos do que outros, nas freguesias, nos clubes, nas associações, nas escolas, em casa olhando as facturas da água e do lixo, não hão-de demorar muito tempo para cobrarem as promessas da Nova Esperança, obviamente se estas não forem cumpridas.
Mas, porque o tempo passa demasiado depressa e as próximas eleições são já “amanhã”, também se adivinha o regresso paulatino ao combate político de alguns pesos pesados da política felgueirense, porventura atraídos e animados por sinais de alguma fragilidade do adversário.
Se assim for, ficará mais rico o combate político em Felgueiras, cabendo à oposição o papel de fiscalização da maioria absoluta da NE e aos órgãos de comunicação social “ousarem” ser plurais, para bem da democracia e para que, daqui por quatro anos, atento o desempenho dos diferentes contendores do xadrez partidário, o povo volte a dar o seu sábio veredicto.