segunda-feira, 13 de novembro de 2006

> Condenação de Saddam: faca de dois gumes!

A recente condenação à morte do ex-ditador iraquiano, Saddam Hussein, não surpreendeu ninguém. Tudo apontava para que fosse esse o desfecho do julgamento, tão graves eram os crimes de que vinha acusado o velho senhor de Bagdad.
Pelo meio, segundo alguns observadores, verificaram-se alguns atropelos dos direitos à defesa do arguido, que não abonam em nada à boa imagem do novo regime no poder.
Sem ousar questionar a justeza genérica da condenação do ex-ditador, insurjo-me, porém, contra a pena aplicada, simplesmente porque sou contrário à aplicação da pena de morte. Também, por este aspecto, se afere a diferença cultural que ainda separa os povos europeu e americano, o primeiro, onde abunda uma tradição humanista, claramente contrário à aplicação da pena de morte, e o segundo, de tradição mais “belicista”, maioritariamente favorável àquela sanção, que aliás aplica no seu próprio sistema judicial.
A pena aplicada a Saddam pode, entretanto, acicatar ainda mais os ânimos num país que é uma manta de retalhos. As primeiras reacções apontam nesse sentido, com os xiitas a manifestar o seu regozijo e os sunitas a sua contestação. É quase certo que as duas comunidades se vão envolver em mais uma onda de violência, o que acabará por gerar um número indeterminado de mortes, ajudando a deitar por terra o esforço do governo local e do invasor americano para tentar acalmar o país. A condenação de Saddam, paradoxalmente, também poderá ser uma má notícia para os soldados norte-americanos, que continuam mergulhados num colete-de-forças encarniçado, do qual não sabem como sair. Enquanto o presidente Bush, no conforto da sala oval, agora muito preocupado com as eleições para o Congresso, se vangloria do feito do tribunal iraquiano, os soldados da super potência vão morrendo às dezenas, incapazes de suster ódios étnicos enraizados por longos anos de recalcadas assimetrias sociais e divergências religiosas radicais. A intervenção militar americana, baseada em pressupostos que hoje se sabe terem sido desprovidas de sustentação objectiva, só veio incendiar o rastilho deste barril de pólvora que ninguém sabe como e quando irá parar. O povo americano começa a questionar-se até quando vão continuar a morrer os seus filhos, a troco de uma pretensa segurança doméstica que tarda em chegar. Cada vez mais se desenha na penumbra uma triste analogia entre o que se passou no Vietname e o que vai grassando naquele país. Preocupa-me ainda que esta condenação de Saddam possa ser aproveitada por organizações radicais para justificar mais alguns actos tresloucados, vitimando civis inocentes em países ocidentais, como já aconteceu em Nova Iorque, Londres e Madrid.

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