domingo, 18 de junho de 2006

> PORTUGUESES A BANHOS (Editorial de "O Jornal de Amarante", de 15 de Junho)

Os economistas dizem que o nosso país está a atravessar uma das piores crises de que há memória.

Atrevo-me a escrever (a seguir vou explicar porquê) que haverá muitos portugueses que sentem menos a crise do que outros. Vem isto a propósito de umas já habituais curtas férias que fiz no Algarve por esta altura do ano, onde, para grande surpresa, encontrei, desta vez, uma enorme legião de turistas portugueses, a maioria, pelo que percebi, originários da Grande Lisboa.

É impressionante a quantidade de portugueses daquela zona do país que por lá andavam, facilmente identificáveis pelas matrículas dos seus automóveis, quase rivalizando, em número, com os “tradicionais” ingleses e alemães que habitualmente escolhem o Algarve para gozar umas prolongadíssimas férias, aproveitando o custo de vida desta região do país, para eles irrisório, mas para a maioria dos lusos, incluindo eu próprio, verdadeiramente astronómico, sobretudo na restauração, cujos preços são padronizados pelas carteiras rechonchudas dos estrangeiros.

A crise parece não ter chegado, portanto, a algumas regiões do país, sobretudo a Lisboa. Aproveitando o feriado de terça-feira (Santo António) e o de quinta-feira, os que habitam as paragens da capital e alguns de outras regiões não se fizeram rogados: meteram três pontes seguidas e lá foram eles em autêntica procissão. Permitam-me agora um parêntesis: quando fazia a viagem, em pleno Alentejo, fiquei impressionado com o tipo de viaturas que, na A2, me ultrapassavam muito para lá dos limites legais de velocidade. Esquecida a péssima educação de muitos senhores bem vestidos e senhoras com “fantásticos” penteados, que por terem um automóvel de alta gama se arrogam de pensar que podem passar por cima de tudo e de todos, inclusive da própria lei, prefiro partilhar com os leitores sobre a maioria dos automóveis que ia observando na auto-estrada. Eram em geral carros de gama média ou alta, principalmente desta, de matrículas recentes, o que só vai de encontro à minha teoria: há regiões do país, sobretudo na capital onde a crise é menos palpável, pelo menos para uns quantos.

Em Lisboa, região que conheço razoavelmente, dezenas de milhares de pessoas trabalham na máquina do Estado, nos inúmeros ministérios, secretarias de Estado, direcções gerais, institutos públicos, tribunais de várias instâncias, Banco de Portugal, Caixa Geral de Depósitos e empresas públicas. São sobretudo essas pessoas que engrossam uma classe média/alta, muito bem remunerada, que se dá ao luxo de passar ao lado da crise, diferenciando-se daqueles que, trabalhando no sector privado, inclusive muita mão-de-obra qualificada, enfrentam cada vez mais vencimentos emagrecidos e, como se tem visto, o espectro do desemprego. Os que têm um emprego bem remunerado na máquina do Estado fazem parte do nicho de pessoas ditas “bem na vida” e que, cada vez mais, se afastam de um outro grupo, mais numeroso, que pertence a uma classe menos favorecida, e que menos margem tinha para resistir uma crise cada vez mais cáustica (...).

Armindo Mendes

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