sexta-feira, 2 de junho de 2006

> SALVE-SE A SEGURANÇA SOCIAL

O ministro da Segurança Social anunciou recentemente que dentro de 10 anos o Estado poderá já não reunir condições para assegurar as pensões dos portugueses. Triste notícia esta, mas não surpreendente, pois desde os governos de António Guterres que se prognosticava este desfecho. À data, o então ministro, Ferro Rodrigues, dizia que, se nada fosse feito, em 2017 o sistema de Segurança Social poderia entrar em falência.
Conclui-se então que os governos dos últimos 10 anos foram, no mínimo, irresponsáveis, ao não terem tomado medidas para inverter a derrocada. Não o fizeram, todos os sabemos, para não terem de enfrentar forças corporativistas, com interesses instalados, que sempre manifestariam resistência à perda de direitos adquiridos.
Até que chegou o governo de José Sócrates, com as conhecidas e impopulares medidas para o sector, nomeadamente a muito contestada convergência dos modelos público e privado de aposentações. Na minha opinião, foi uma tardia, mas corajosa e lúcida decisão. Nunca percebi a razão que sustentava a existência em Portugal de “cidadãos de primeira” e “cidadãos de segunda”. Os primeiros - funcionários públicos - podiam até há pouco aposentar-se ao fim de pouco mais de 30 anos de serviço, o que gerava situações quase imorais de vermos pessoas com pouco mais de 50 anos, perfeitamente saudáveis e activas, já aposentadas.
Os segundos - os trabalhadores do sector privado - obrigados a trabalhar até aos 65 anos, o que quer dizer que muitos completavam a sua carreira contributiva com quase 50 anos de descontos. Mas, mais grave, era o facto de os funcionários públicos se aposentarem com 100 por cento do vencimento e os empregados do sector privado apenas receberem uma reforma correspondente a uma percentagem do seu vencimento. Estas e outras distorções, de que poderíamos aqui falar, contribuíram para o estado em que nos encontramos agora. O país não tem condições para suportar estes “luxos”. Melhor seria que a convergência se fizesse em sentido inverso, isto é, que o modelo privado evoluísse em direcção ao modelo público. Porém, como Portugal não é um país rico, tal cenário não passa de uma mera utopia, que muitos sindicalistas bem intencionados insistem em defender. Mas os mesmos sindicalistas e outras forças ditas da esquerda mais radical defendem outras medidas que eu pontualmente subscrevo, sobretudo a necessidade de o governo agir não só junto do chamado cidadão das classes médias, que tão penalizadas têm sido, mas também, e sobretudo, ouse criar medidas que obrigue quem mais tem a mais contribuir. Reporto-me nomeadamente ao sector financeiro e bancário, cujos lucros astronómicos e em permanente crescendo estão longe de ser tributados na medida ajustada às suas possibilidades, conforme já foi criticado em anteriores editoriais. O executivo também tem de encontrar formas de acabar com as pensões principescas, em alguns dos casos atribuídas após poucos anos de serviço, de que auferem políticos - lembre-se o recente caso de Santana Lopes -, gestores de empresas públicas e militares das forças armadas, sobretudo os de patentes mais elevadas. Impõe-se, sem expedientes dilatórios como aqueles a que temos assistido, sobretudo em relação aos políticos e gestores públicos, a imposição imediata de tectos de pensões e salários, para acabar com estas diferenças imorais de vermos um pequeno leque de privilegiados a auferirem de mordomias quase ofensivas, ao passo que milhões de outros portugueses têm de sobreviver com reformas miseráveis.
Vamos ver se este Governo tem força bastante para levar a bom porto este autêntico desígnio nacional. Salve-se a Segurança Social!
PS: Ao chamar aos funcionários públicos “cidadãos de primeira” não o faço com sentido ofensivo, até porque aqueles não têm culpa de outros governos lhes terem atribuído as referidas regalias.
Armindo Mendes
(editorial de "O Jornal de Amarante, de 12 de Janeiro de 2006)

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