
Estas declarações do governante, proferidas horas depois de terem sido anunciados os números negros dos incêndios do passado fim-de-semana, acabam por surpreender, sobretudo porque vieram de alguém que tem procurado transmitir para a opinião pública uma imagem de dinamismo e eficácia.
Não se interprete esta minha introdução como uma crítica à actuação do ministro na questão dos incêndios, a qual continuo a achar ser bem mais eficiente do que a de outros governantes no passado recente. António Costa é um ministro competente. É um homem rigoroso e exigente. Acontece, porém, que a questão dos incêndios não se resolve num ano, como se tem comprovado, apesar dos enormes progressos conseguidos recentemente, sobretudo ao nível do combate e da primeira intervenção. Pelo que me têm dito pessoas conhecedoras na área do combate aos fogos, os meios este ano estão mais coordenados e isso traduz-se numa mais rápida e eficaz intervenção, evitando que os fogos atinjam maiores proporções. Em Amarante essa tendência tem-se confirmado, como se observou no passado fim-de-semana, com centenas de bombeiros mobilizados no terreno.
Mas este esforço não é suficiente. Aqui como no resto do país, falta melhorar a componente da prevenção, justamente aquela que mais eficaz se pode tornar para obviar ao risco de incêndio sempre subjacente às cada vez mais altas temperaturas que se fazem sentir à passagem de cada Verão.
O ministro alertou, em bem, para o longo caminho a percorrer na limpeza das nossas florestas e para a falta de ordenamento florestal, que tantas vezes propicia a construção de habitações no meio das matas.
Mas António Costa também sabe que o problema é mais complexo. Não é preciso ser-se sociólogo ou economista para se perceber porque ardem hoje mais floresta do que no passado. O problema tem a ver com o modelo de desenvolvimento que o país adoptou há algumas décadas, que conduziu à desertificação do interior, onde ardem as maiores áreas de floresta. Não havendo ali gente a morar, não há quem cuide da manutenção das matas. Antigamente havia gente nas aldeias. Essas pessoas zelavam pela limpeza dos montes, porque dali tiravam o seu sustento. Dali tiravam a lenha para as suas lareiras e dali também tiravam os matos para melhor aconchegarem o seu gado, que dormia nas lojas das suas casas.
As pessoas habitavam no interior e eram elas, tantas vezes, as primeiras a mobilizar-se numa primeira intervenção. Hoje, no interior não mora quase ninguém. Ali ficaram apenas os velhos, que vêem agora as suas casas a serem engolidas pelas chamas.
As sucessivas medidas para esvaziar o interior de serviços públicos só estão a contribuir para acentuar a desertificação. As pessoas não querem morar onde não haja serviços de saúde qualidade com o mínimo de qualidade. Não querem morar onde os seus filhos têm de percorrer dezenas de quilómetros para frequentar a escola.
O combate aos fogos também se faz através do combate à desertificação. E aí, as políticas globais deste e de outros governos não estão isentos de responsabilidades.
Pouco significado terão um super ministro, de reconhecidas qualidades, e os muitos milhões de euros que todos os anos se gasta no combate musculado aos fogos.
A defesa da nossa floresta também se faz aumentando a fiscalização, colocando as forças policiais e os militares a patrulhar as zonas de maior risco. Mas também se impõe a punição exemplar dos que deitam fogo às nossas matas e o reforço do investimento em equipas de vigilância e de primeira intervenção.
O diagnóstico está feito há muito. As soluções também são consensualmente aceites e algumas já estarão em marcha. Tardam os resultados.
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