quarta-feira, 23 de agosto de 2006

> O FASCÍNIO DO COMBOIO


A recente visita a Amarante de dirigentes de “Os Verdes” para defender a Linha do Tâmega recolocou na agenda actual este importante dossier.
Faço parte daquele grupo de portugueses que têm um carinho especial pelo caminho de ferro. Muitos amarantinos, de todas as idades, cresceram habituados a ver passar o comboio, um meio de transporte outrora importante na economia da região, mas também algo que criava em cada criança um certo misticismo.

Quem de nós, na tenra infância, não sonhava com a primeira viagem de comboio? Quem de nós não teve um dia como brinquedo uma velha máquina a vapor que nos fazia lembrar os filmes de cowboys que passavam na TV ainda a preto e branco?
Ainda hoje quando vejo passar o comboio, sobretudo as grandes composições que ainda atravessam o país, sinto uma emoção especial. O meu filho, um menino de cinco anos, curiosamente herdeiro de velhos hábitos do seu progenitor, não se cansa de me pedir para o levar a ver os comboios. Procuro corresponder e até já lhe proporcionei o seu baptismo de viajante em caminho de ferro, além de uma visita a um museu ferroviário, em Lousado, Famalicão, dois momentos vividos com enorme intensidade pelo pai e pelo filho, que jamais haveremos ambos de esquecer.
Infelizmente, para muitas crianças, principalmente as que moram em localidades onde já não passam comboios, esse meio de transporte não passa já de algo a que só acedem por via da TV ou do cinema.

Há décadas que o comboio foi perdendo importância, sobretudo à medida que foi sendo ultrapassado pelo automóvel e pelo autocarro. Muitos dirão que se tratou de uma evolução natural que conduziu o caminho-de-ferro à extinção em várias regiões do país.
Eu tenho uma opinião diferente. Penso que a decadência do comboio em Portugal se explica não só por razões de concorrência do automóvel, mas também devido ao desinvestimento crónico de que foi padecendo o caminho-de-ferro no nosso país.

Enquanto o Estado investia e bem na modernização da rede viária, um pouco por todo o território, o mesmo não se passava com as linhas-férreas e outras infra-estruturas de apoio, que durante décadas se mantiveram inalteráveis. Enquanto as estradas se foram tornando menos sinuosas, mais largas e com melhor piso, correspondendo ao número crescente de automóveis, a maioria das linhas preservavam as mesmas características, completamente obsoletas. Os traçados anacrónicos, como se vê no caso da Linha do Tâmega, são os mesmos do início do século passado, sinuosos, lentos e desconfortáveis. O material circulante manteve-se durante anos a fio, não acompanhando a evolução tecnológica que se foi fazendo também neste meio de transporte. As estações e apeadeiros também pararam no tempo. As viagens de comboio, que há cerca de um século eram rápidas e confortáveis se comparadas com as viagens feitas com automóveis ou camionetas de passageiros por esburacadas e serpenteantes estradas da época, tornaram-se demasiado lentas.
O comboio em Portugal, com excepção das áreas metropolitanas, não acompanhou a evolução e começou a definhar. As pessoas começaram a preferir as viagens em autocarros mais modernos e confortáveis, que percorriam as novas estradas, que entretanto foram sendo construídas. E o comboio foi morrendo aos poucos. Sem passageiros, o seu fim era inevitável, como ocorreu com o bonito troço da Linha do Tâmega entre Amarante e Arco de Baúlhe.
De Amarante à Livração ainda circula uma automotora, quase sempre com um número de passageiros insuficiente que justifique a sua existência. Fala-se que a CP quer acabar com essa ligação, o que se compreende devido à sua reduzida utilização.

Coloca-se hoje a questão de se justificar ou não criar condições para que a linha se mantenha em funcionamento, o que poderá ocorrer, eventualmente, se as câmaras de Amarante e Marco de Canaveses se interessarem pelo projecto, procurando potenciá-lo sob ponto de vista turístico. Seria interessante se tal viesse a ocorrer, mas receio que essa possibilidade não passe do papel, atendendo ao forte investimento que as duas autarquias poderiam ser obrigadas a suportar. Talvez uma parceria público-privada com investidores turísticos pudesse ajudar.
Quanto ao troço até Arco de Baúlhe, desactivado há muitos anos, que alguns, poucos, ainda acreditam poder um dia ser reactivado, creio que só a utopia, embora bem intencionada, poderá suportar tal pretensão. A única utilização se que vislumbraria para o troço seria de âmbito turístico, mas mesmo essa obrigaria a um enorme investimento para garantir as condições de circulação, atendendo à degradação quase completa da velha linha. Quanto à utilização comercial, essa estaria comprometida ao fracasso. Na zona de Basto vive cada vez menos gente e a que resta está hoje servida de estradas que lhe garantem um acesso mais rápido a Amarante e a outras cidades próximas.

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