Completaram-se recentemente seis anos sobre a derrocada da ponte Hintze Ribeiro,
Lembro-me dessa tragédia de forma intensa, porque foi um acontecimento que, enquanto jornalista, cobri no local, designadamente os trabalhos de busca dos corpos das vítimas nas intrépidas águas do Douro.
Jamais esquecerei as expressões, os olhares distantes dos familiares das vítimas que se encontravam no “teatro” das operações de resgate dos corpos. Eram pessoas simples e ainda incrédulas com o que o destino reservara horas antes. Alguns, amontoados a um canto, sob guarda-chuvas incapazes de suster a intempérie, ainda soluçavam. No rosto, as lágrimas misturavam-se com as gotas da chuva, que eram registadas pelas câmaras dos fotógrafos. Nem a presença dos mais altos magistrados da nação, Presidente da República e primeiro-ministro, eram capazes de aliviar o sofrimento daquelas pessoas.
Retive na memória as incessantes passagens dos helicópteros sobrevoando em círculos as águas barrentas do Douro, enquanto os mergulhadores, nos seus botes, observavam, impotentes, a corrente que esbarrava nos pilares da velha ponte. A imagem do resgate do autocarro ao grande rio suscitou-me uma das emoções mais intensas que alguma vez senti nesta profissão. Foi uma emoção de grande tristeza, mas simultaneamente de enorme revolta. Não compreendia como tinha sido possível ter acontecido aquela tragédia. Por instantes, escondido pela máquina fotográfica que instintivamente “disparava para registar o momento”, refugiei-me num alvoroço de emoções. Imaginava o desespero dos infortunados 59 turistas que regressavam de um passeio às amendoeiras em flor. Como terão sido os seus últimos segundos de vida? O seu desespero, a sua impotência face a um destino cruel que os escolhera para sucumbir vítimas da incúria de uns quantos…
Recordo que dois ou três dias antes da tragédia eu próprio havia atravessado a mesma ponte, regressando de uma deslocação a Castelo de Paiva. Quando o fiz, percebi a violência da corrente do Douro e quão frágil era aquela travessia, que estremecia com intensidade, que já então eu considerava anormal, a cada passagem dos pesados camiões carregados de inertes. Sentia sempre aquela insegurança quando tinha de atravessar a ponte Hintze Ribeiro. Recordo que, quando podia, atravessava-a a grande velocidade, procurando assim enganar o medo…
Volvidos seis anos, as recordações mantêm-se bem vivas. Tão vivas quanto a consternação que decorreu da incapacidade do Estado apurar os responsáveis. Fica-se sempre com a sensação de que os grandes responsáveis pela tragédia nunca terão estado sentados no banco dos réus e que neste apenas tiveram de responder protagonistas menores.
Dos anos que antecederam a derrocada da ponte, recordo as sucessivas chamadas de atenção dos presidentes das câmaras de Penafiel e Castelo de Paiva para o perigo daquela travessia rodoviária. Também um deputado do PS, que ainda hoje o é,
Com a tragédia, os cidadãos deram-se conta do quanto os governantes estão distantes do país real, umas vezes mal informados por uma administração ineficiente e demasiado tecnocrata, outras por uma sobranceria que os torna insensíveis aos clamores da “província”.
Mas a derrocada do tabuleiro e a morte das 59 pessoas acabaram por, pelo menos no plano político, acordar os governantes, que rapidamente transformaram a fome em fartura. Meses antes não havia verbas para construir uma ponte, mas após o desastre logo foram descobertos recursos para construir não uma mas duas pontes. Aqui ficou evidenciada a incoerência de uma governação.
As pontes nasceram rapidamente mas frenesim de obras por tudo quanto tinha a ver com Entre-os-Rios foi-se esboroando. Os grandes projectos foram anunciados com pompa a circunstâncias, mas desses, pouco foi feito ainda, faltando aquela que era a infra-estrutura mais emblemática – a construção do IC 35, ligando Penafiel a Castelo de Paiva, que foi anunciada como uma via rápida que iria finalmente compensar a região por longos anos de esquecimento. Os estudos sucederam-se, os ante-projectos também, mas a obra não sai do papel, mantendo-se as mesmas dificuldades para chegar àquela localidade… Esperemos que a história não se repita.
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