sexta-feira, 12 de maio de 2006

Aumento brutal!

Foi anunciado recentemente pelo governo um aumento de 23 por cento na taxas moderadores a cobrar aos utentes dos hospitais portugueses.
Trata-se de mais um aumento brutal que quase todos iremos suportar se tivermos o azar de sermos obrigados a uma deslocação ao hospital, que ninguém fará com prazer.
Seja-me permitida esta ironia: a melhor solução é, simplesmente, não se ficar doente.
O governo alega que este aumento visa dissuadir os abusos de alguns utentes que recorrerão às urgências hospitalares sem que delas necessitem, o que, reconheça-se também acontece.
No entanto, como noutras decisões tomadas por este governo, acaba por pagar o justo pelo pecador, como aquela em que pôs os ditos profissionais liberais - os tais dos recibos verdes - a pagar uma taxa social pesada, como se todos auferissem de rendimentos elevados.
Ora, por pecador, no caso que abriu este editorial, entenda-se o triste utente que, por se sentir mal, com uma dor ou uma má disposição, recorre a um qualquer hospital, sendo agora obrigado a pagar mais 23 por cento do que o fazia até agora. Não é justo. Seja-me permitida esta ironia: a melhor solução é, simplesmente, não se ficar doente!
São as tais medidas tomadas no conforto dos gabinetes, à luz da linguagem fria dos números, que não acautelam os impactos que terão junto dos mais desfavorecidos, visando apenas arranjar mais uma forma de ir buscar uns cobres adicionais aos bolsos dos portugueses e assim engordar um Estado cada vez mais ganancioso por taxas e impostos. Já vamos estando habituados. É sempre o “Zé povinho” que paga as crises, pois, neste caso, como noutros, os mais abastados não precisam de recorrer aos serviços do Estado.
Tão brutal aumento nas taxas moderadoras sublinha uma característica que por vezes me incomoda neste governo: uma tecnocracia que redunda, por vezes, em insensibilidade social.
O argumento de racionalização no acesso aos serviços hospitalares aludido pelo governo até colheria se os portugueses tivessem verdadeiras alternativas. Será que o senhor ministro não sabe que, por vezes, para se ter uma consulta em determinados centros de saúde os utentes têm de longas semanas e até meses. Será que o senhor governante não sabe que os médicos de família são manifestamente insuficientes e que há milhões de portugueses que se vêem obrigados às chamadas consultas de reforço, pelas quais têm de esperar longas horas, e cuja qualidade nem sempre satisfaz os doentes.
2 - No passado fim-de-semana fomos todos surpreendidos com o despejo de centenas de galinhas mortas, em avançado estado de decomposição, numa ravina do rio Vouga. Logo se falou no perigo da gripe das aves, hipótese prontamente desmentida pelas autoridades.
Este caso, que mais não é do que um inadmissível crime ambiental que deverá se investigado até às últimas consequências, remete-nos para uma reflexão sobre a educação e os hábitos dos portugueses, designadamente sobre matérias ambientais. Quem de nós não viu já o automobilista que segue à nossa frente despejando lixo pela janela do seu automóvel. Quem não conhece locais, à borda da estrada, pejados por lixeiras mais ou menos imundas. Quem não viu ainda um transeunte deitar o filtro dos cigarros para o chão, para o areal da praia, ou cuspir no passeio onde caminha.
A muitos portugueses faltam-lhe as mais elementares regras de civismo. Os que deitam o lixo para o chão são muitas vezes os mesmos que cometem as maiores loucuras na condução e reagem com agressividade e palavrões quando são chamados à atenção.
O civismo também se aprende nos bancos das escolas, mas é no ambiente familiar que se bebe os conceitos mais básicos. Infelizmente, a pouca escolaridade de milhões de portugueses está associada à falta de civismo e à cultura do desleixo. E este à falta de respeito pelo ambiente e coisa comum, que muitos confundem com algo que pertence a todos, onde se pode fazer tudo, sem quaisquer punições.
Mas há também o contrário: aqueles que até têm elevados níveis de formação - veja-se o caso de alguns estudantes universitários - que praticam actos que reflectem pouco civismo, como aqueles que conspurcam as ruas das cidades de centenas de latas de cerveja ou fazem barulho até altas horas da madrugada, à porta de bares e discotecas, perturbando o sono do vulgar dos mortais que mora nas redondezas. Ou outros que deixam num recinto onde decorreu um concerto musical mil e um tipos de detritos, incluindo restos de comida, latas de cerveja e pontas de cigarros.
Nestes casos a reflexão é ainda mais pertinente, remetendo-nos para o tipo de sociedade que estamos a construir, o tipo de conceitos que as novas gerações irão pôr em prática, num Portugal de futuro cada vez mais incerto.
Armindo Mendes
(editorial de "O Jornal de Amarante", de 9 de Março de 2006)

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