quarta-feira, 31 de maio de 2006

> TODOS AO JUNHO (S. GONÇALO) DE AMARANTE


As Festas do Junho, em Amarante, constituem uma das mais importantes manifestações religiosas e profanas de toda a região Norte.
A devoção ao santo movimenta muitos milhares de pessoas, principalmente de Amarante, mas também de outros concelhos mais ou menos próximos. Ouve-se falar de pessoas que vêm do Sul do país e até do estrangeiro para pagar as suas promessas ou simplesmente participar nas mil e uma manifestações de natureza profana.
Nos dias da festa são impressionantes as manifestações de fé, com os católicos, romeiros ou não, a "invadir" o mosteiro do padroeiro, no gesto de devoção e tributo a S. Gonçalo, ao qual pagam promessas ou lhe dedicam uma oração. As filas de fiéis para simplesmente pôr uma mão na imagem do santo traduzem a importância de um momento de fé.
A DEVOÇÃO

A missa solene é um dos pontos altos. Na igreja do mosteiro, ecoam comoventes cânticos de tributo ao santo. Os fiéis, engalanados, vestem o traje domingueiro. A majestosa procissão é outro momento de grande simbolismo religioso. Como é bonito ver as ruas engalanadas da cidade de Amarante, emolduradas por muitos milhares de pessoas, que ladeiam as artérias aos magotes, mas em profundo silêncio, à passagem das imagens religiosas. As colchas que decoram as varandas do velho burgo e as flores que cobrem e perfumam as calçadas por onde passa a procissão são outros sinais distintivos destas festas centenárias. O lançamento de cravos da varanda dos reis e a mensagem à cidade do pároco de S. Gonçalo é outro momento recheado de simbolismo, porventura sem paralelo no país, muito apreciado pelos amarantinos e forasteiros que se concentram no largo.

A CULTURA DE UM POVO
Mas o Junho amarantino é também uma enorme manifestação da cultura popular mais genuína, consubstanciada no enfoque dado aos bombos e no desfile etnográfico que evidencia as características mais simples e rurais das freguesias amarantinas.
É todos os anos assim. O povo sai à rua e revê-se nas suas festas. O programa tem mantido uma matriz comum ao longo dos anos, com pequenos ajustamentos, que não comprometem a tradição.
As festas são da família. Impelidos pelos acordes cintilantes dos instrumentos das filarmónicas da terra, pais, mães e filhos deambulam, em vai vem, por entre a multidão, divertindo-se nos carrinhos de choque, comendo uma fartura, provando o algodão doce ou experimentando uma ou outra tasca da cidade, que servem os petiscos mais apetitosos e os verdes tintos mais atrevidos do Norte de Portugal. Muitas famílias trazem os seus farnéis e aproveitam-nos para, enquanto enchem as barrigas, confraternizar nas frescas da florestal. As crianças saltitam de euforia, à procura daquele brinquedo que vislumbraram naquela barraca chinesa, agora tão comuns na nossa festa. O menino chorou por aquele carro da polícia multicolor e barulhento, enquanto a menina suspirou pela boneca de vestido cor-de-rosa faustoso. Os pais lá têm de largar os cordões à bolsa e cumprir a tradição de pelo Junho, oferecer um brinquedo aos filhos.
Os jovens, principalmente os rapazes, folgam com as brincadeiras em torno dos famosos "S. Gonçalos", os doces de forma fálica, alguns de dimensões ousadas, que oferecem às meninas. As mais acanhadas, cabisbaixas, até coram, mas as mais fogosas agradecem o presente e retribuem com o sorriso atrevido e desafiador.
DIAS DE FOLIA

As alvoradas também são especiais. Os grupos de bombos, hirtos pela tradição, marcham na velha urbe de ruas estreitas e íngremes, acordando ritmadamente os que, fadigados pelas noitadas, ainda dormem, como que desafiando os amarantinos para mais um dia de folia.
À noite, todos se aglomeram junto às pontes. O momento vai chegar... O fogo junto ao rio é uma delícia para olhos, que todos os anos fantasiam com o brilho cruzado proporcionado pelo espelho do Tâmega. Quando o fogo começa, os corações batem mais forte as pupilas dilatam. Os mais pequenos dão as mãos aos pais e erguem a cabeça em sinal de espanto, rendidos ao cintilar barulhento do fogo, embalado pela melodia musical que brota de um potente sistema de som, hoje moda m cada festa que se preze.
Os espectáculos das noitadas são sempre muito animados. A organização tem escolhido artistas de renome nacional, ditos populares, que agradam ao povo mais simples, que corresponde com a presença maciça e entusiástica, comprovando que Amarante continua a ser uma terra onde predomina uma cultura pouco urbanizada.
As festas são assim e o povo gosta.
Vamos todos ao Junho.
Armindo Mendes

quarta-feira, 24 de maio de 2006

“O senhor é um homem com sorte”- dizia eu há dias ao meu sogro (editorial de "O Jornal de Amarante, edição de 4 de Maio).

Tal comentário ocorria recentemente à hora do jantar, quando visionávamos um noticiário televisivo no qual eram anunciadas novas mexidas nas regras de atribuição das reformas.

O meu sogro reformou-se merecidamente, após uma vida dura de trabalho, com a bonita idade de 65 anos. Goza agora a merecida tranquilidade, desfrutando dos prazeres que o tempo livre lhe proporciona.

É um homem de sorte. Nós, os que ainda fazemos descontos, somos quase diariamente confrontados com as iluminadas intenções do nosso Governo, tão preocupado anda ele em arranjar maneira dos nos vir buscar mais uns cobres.

Diz-se em S. Bento, e bem, que a sustentabilidade da segurança social está posta em causa e, por isso, é preciso pôr a rapaziada a trabalhar mais anos, até muito perto dos 70.

Diz-se também em S. Bento que se impõe a reforma da Segurança Social. Também concordo. Começo a discordar é do caminho para lá se chegar, mais uma vez penalizando os que menos têm, os que, quando chegar a idade, mais dependerão da dita reforma, pois os magros salários não dão azo a grandes poupanças. Será possível que nos gabinetes alcatifados dos assessores de Vieira da Silva ninguém se lembra que Portugal não é só as classes médias e altas que habitam no litoral, geralmente as mais bem remuneradas.

O nosso país é onde as assimetrias sociais são mais acentuadas em toda a União Europeia. O fosso entre os mais ricos e os mais pobres está cada vez mais fundo e os sucessivos governos têm-se manifestado incapazes de suster esta tendência. Em muitos sectores da sociedade portuguesa o diagnóstico está feito e são apontadas soluções mais ou menos consensuais. Clama-se, justamente, por reformas estruturais que proporcionem condições para a melhoria da produtividade, mas sem comprometer aquela que é a mais bonita bandeira da nossa velha Europa - o Estado Social.

Defendo que a reforma da Segurança Social portuguesa deveria seguir outros caminhos, que não os agora preconizados pelo Governo, acabando com verdadeiras injustiças, que nos fazem clamar pela lucidez dos que nos governam, sejam eles do partido A ou do partido B. É lugar comum dizer-se que são essas arbitrariedades que comprometem a sustentabilidade da segurança social de um país tão desequilibrado como o nosso. Por exemplo, este governo que se diz corajoso por avançar com as ditas reformas estruturais – em alguns casos até o tem conseguido com êxito – poderia agora manifestar força bastante para aplicar novas regras para os que mais têm. Em primeiro lugar, sugiro que, por decreto puro e duro, como tem feito noutros casos, pusesse termo às reformas daqueles que, por terem desempenhado várias funções no Estado e em empresas públicas, acumulam inúmeras e principescas pensões ou acabando em definitivo, sem paliativos retóricos, com as benesses atribuídas aos titulares de cargos políticos, que ao fim de alguns anos, ainda a léguas dos agora saudosos 65 anos, desfrutam do el dorado que as precoces pensões do Estado lhes proporcionam. Seria interessante aplicar também a esses as famosas regras baseadas no aumento da esperança de vida.

Inspirado nas notícias de que nos últimos meses dispararam as reformas com valores superiores a quatro mil euros - na maioria dos casos são antigos gestores de organismos estatais ou militares -, também sugiro ao famoso ministro Vieira da Silva que se fixasse um tecto de reforma em três mil euros, um valor capaz de proporcionar conforto a qualquer cidadão, tendo até em conta que os cidadãos com descontos suficientes para ter uma reforma com aquela grandeza teriam tido, com certeza, na sua carreira contributiva, rendimentos do trabalho mais do que suficientes para financiar esquemas complementares de reforma, como os famosos PPR e outros produtos financeiros, aos quais recorrem hoje muitos cidadãos de classes menos abastadas.

Estes passos, que consubstanciariam a mais elementar subsidiariedade, libertariam verbas para, com grande generosidade, o governo poder reforçar as pensões dos que menos recebem.

Seríamos então capazes de, a plenos pulmões, elogiar a coragem reformista do governo, que até hoje, no Caso da Segurança Social, se tem manifestado sobretudo junto dos que menos têm.

domingo, 21 de maio de 2006

> "TRAGÉDIA NO IP4" Bebé sobrevive a acidente que mata pai e mãe - (fotos Armindo Mendes - direitos reservados)



Estas fotos foram por mim captadas, há cerca de três anos, naquele que foi um dos mais dramáticos momentos a que assisti em toda a carreira profissional.
Esta bebé que se vê no colo do comandante dos Bombeiros de Amarante tinha acabado de, "milagrosamente", sobreviver a um brutal cidente no IP4, perto de Amarante, no qual tinham morrido o pai e a mãe.
O carro onde seguia a família ficou completamente destruído, mas a bebé, de Carrazeda de Ansiães, não sofreu um único arranhão. Terá sido milagre? Ainda hoje transporto essa dúvida no meu peito.
Estas minhas fotos correram o mundo e foram utilizadas em várias campanhas de prevenção rodoviária.
Um dia destes contarei neste blog as circunstâncias e as emoções avassaladoras que rodearam este acidente, cuja vivência jornalística constituiu um dos mais intensos momentos por mim vividos atrás de uma câmara fotográfica, só comparável ao que senti no rescaldo da tragédia da derrocada da ponte de Entre-os-Rios.

segunda-feira, 15 de maio de 2006

RECORDAÇÕES DE MENINO

Assinalou-se recentemente mais um aniversário da Revolução dos Cravos.
A geração dos “trintões”, na qual me incluo, era ainda criança pequena quando se deu o 25 de Abril. Não me lembro dessa data histórica, mas retenho algumas imagens, que me impressionaram, dos períodos conturbados do chamado PREC, sobretudo as tempestivas reuniões de trabalhadores que se realizavam em empresas próximas da minha área de residência. Recordo também as pressões e os insultos que um industrial da época, um homem bom, de nome Nunes, dirigente do PPD, sofria de uns homens duros, presumia eu na altura, seus empregados.
Também me lembro dos murais pintados em locais estratégicos. Eram, em alguns casos autênticas obras de arte realizadas, pelo que percebia na altura, por pessoas ligadas ao MRPP e outras forças de esquerda mais “ortodoxa”. Numa célebre noite de Verão de 1975 ou 1976, tinham roubado o carro ao meu pai, que era proprietário de um pequeno café. Terminada a jornada de trabalho, sem carro para seguir para casa, o meu pai iniciou o trajecto até casa a pé, acompanhado por mim, então criança pequena, mas precocemente interessada pelo que a rodeava, apesar da hora imprópria para um menino daquela idade. Eram uns quatro quilómetros. Pelo caminho, nas ruas mal iluminadas de uma vila industrial do Vale do Ave, íamos vendo os tais grupos, de pincéis na mão e grandes baldes, a pintar os muros, com tonalidades predominantemente amarelas e vermelhas. Parávamos por vezes junto ao pessoal. O meu pai, homem de esquerda moderada, enquanto segurava a minha mão, rapidamente se entendia com aquela “gente” mais radical, mas com uma criatividade que impressionava o meu progenitor e eu próprio. Aqueles rostos de expressão crua e aqueles martelos reproduzidos no granito de um grande muro ficaram retidos na minha memória. Hoje, 30 anos volvidos lembro-me com impressionante precisão daquilo que os meus olhos viram e o meu peito sentiu: uma emoção avassaladora tal era a força daquelas imagens, à qual se seguiu uma onda de perguntas que o meu saudoso pai teve dificuldade em responder. Aquele menino queria perceber o que significavam aquelas imagens, aqueles rostos, que anos depois identifiquei como figuras de revoluções socialistas.
Um dia o meu “velho” recebeu um telefonema. Sem se quedar, eufórico, vestiu um casaco, pegou numa bandeira, e partiu em direcção a Braga. Soube alguns anos depois que tinha ido participar numa grande manifestação para assinalar um aniversário do 25 de Abril ou do 1º de Maio.
Nesse tempo de jovem democracia viviam-se essas incidências com um entusiasmo extraordinário e com um idealismo já há muito desaparecido. Eu percebia isso. O menino que acompanhava o pai para todo o lado absorvia o que o rodeava. Os ânimos era exacerbados, como aquela discussão a que assisti num café, entre dois homens de meia-idade por causa sabe-se lá do quê. Eles gritavam, davam murros na mesa e esgrimiam argumentos. Nomes como Mário Soares e Álvaro Cunhal saltitavam na conversa acesa, cujo desfecho não me recordo, mas que deveria estar relacionada com o famoso debate televisivo que os dois travavam. Meu pai, já em casa, serenava-me, explicava-me os seus pontos de vista e eu, confuso, procurava percebê-los. Também os cartazes do PCP e do MES me impressionavam. Sobretudo porque tinham estrelas, uma figura geométrica que à data me fascinava. Por não saber ainda ler, perguntava sempre o que queriam dizer determinadas letras. Meu pai dizia que quem mais ordena é o povo. Não percebi nada... Preferia ouvir os altifalantes do carro, um velho e ruidoso Carocha vermelho que passava constantemente na rua a convocar os operários para plenários. Uma voz forte apelava aos camaradas, enquanto se ouviam músicas revolucionárias. Para o menino, sentado no beiral da janela, era fascinante.
Hoje, a cada 25 de Abril, lembro-me destas coisas. O meu pai já partiu e não posso partilhar com ele estas recordações da meninice. Lembro-me da sua mão forte segurando a minha. Deixou-me um rico baú de memórias de uma fase crucial da nossa democracia. O menino não percebia que se estava a fazer história. O homem de hoje está reconhecido aos que, como o meu pai, permitiram que este simples acto de escrever seja a coisa mais natural de mundo, num país com problemas é certo, mas onde a democracia se consolidou e ser-se livre é quase tão natural como respirar. Viva a 25 de Abril, viva a liberdade!

Armindo Mendes

Ferreira Torres quando ainda era presidente da CM de Marco de Canaveses

domingo, 14 de maio de 2006

Imagens do meu arquivo fotográfico

A PAIXÃO DA FOTOGRAFIA
Além do jornalismo escrito, também adoro o fotojornalismo. Nos anos que levo da profissão, um pouco por toda a região, tenho captado muitas imagens que jamais esquecerei, pelo momento, pelo simbolismo, ou simplesmente pela fotografia. Neste espaço, além de alguns textos, vou partilhar com todos algumas imagens que constam do meu arquivo. Aqui ficam as primeiras escolhidas de forma aleatória...

Pôr do sol no IP4 (foto: Armindo Mendes - direitos reservados)

Cortejo das Flores - Felgueiras (foto: Armindo Mendes - direitos reservados)

Família cigana em Paços de Ferreira (foto: Armindo Mendes - direitos reservados)

Idosa na Serra da Aboboreira (foto: Armindo Mendes - direitos reservados)

sexta-feira, 12 de maio de 2006

Aumento brutal!

Foi anunciado recentemente pelo governo um aumento de 23 por cento na taxas moderadores a cobrar aos utentes dos hospitais portugueses.
Trata-se de mais um aumento brutal que quase todos iremos suportar se tivermos o azar de sermos obrigados a uma deslocação ao hospital, que ninguém fará com prazer.
Seja-me permitida esta ironia: a melhor solução é, simplesmente, não se ficar doente.
O governo alega que este aumento visa dissuadir os abusos de alguns utentes que recorrerão às urgências hospitalares sem que delas necessitem, o que, reconheça-se também acontece.
No entanto, como noutras decisões tomadas por este governo, acaba por pagar o justo pelo pecador, como aquela em que pôs os ditos profissionais liberais - os tais dos recibos verdes - a pagar uma taxa social pesada, como se todos auferissem de rendimentos elevados.
Ora, por pecador, no caso que abriu este editorial, entenda-se o triste utente que, por se sentir mal, com uma dor ou uma má disposição, recorre a um qualquer hospital, sendo agora obrigado a pagar mais 23 por cento do que o fazia até agora. Não é justo. Seja-me permitida esta ironia: a melhor solução é, simplesmente, não se ficar doente!
São as tais medidas tomadas no conforto dos gabinetes, à luz da linguagem fria dos números, que não acautelam os impactos que terão junto dos mais desfavorecidos, visando apenas arranjar mais uma forma de ir buscar uns cobres adicionais aos bolsos dos portugueses e assim engordar um Estado cada vez mais ganancioso por taxas e impostos. Já vamos estando habituados. É sempre o “Zé povinho” que paga as crises, pois, neste caso, como noutros, os mais abastados não precisam de recorrer aos serviços do Estado.
Tão brutal aumento nas taxas moderadoras sublinha uma característica que por vezes me incomoda neste governo: uma tecnocracia que redunda, por vezes, em insensibilidade social.
O argumento de racionalização no acesso aos serviços hospitalares aludido pelo governo até colheria se os portugueses tivessem verdadeiras alternativas. Será que o senhor ministro não sabe que, por vezes, para se ter uma consulta em determinados centros de saúde os utentes têm de longas semanas e até meses. Será que o senhor governante não sabe que os médicos de família são manifestamente insuficientes e que há milhões de portugueses que se vêem obrigados às chamadas consultas de reforço, pelas quais têm de esperar longas horas, e cuja qualidade nem sempre satisfaz os doentes.
2 - No passado fim-de-semana fomos todos surpreendidos com o despejo de centenas de galinhas mortas, em avançado estado de decomposição, numa ravina do rio Vouga. Logo se falou no perigo da gripe das aves, hipótese prontamente desmentida pelas autoridades.
Este caso, que mais não é do que um inadmissível crime ambiental que deverá se investigado até às últimas consequências, remete-nos para uma reflexão sobre a educação e os hábitos dos portugueses, designadamente sobre matérias ambientais. Quem de nós não viu já o automobilista que segue à nossa frente despejando lixo pela janela do seu automóvel. Quem não conhece locais, à borda da estrada, pejados por lixeiras mais ou menos imundas. Quem não viu ainda um transeunte deitar o filtro dos cigarros para o chão, para o areal da praia, ou cuspir no passeio onde caminha.
A muitos portugueses faltam-lhe as mais elementares regras de civismo. Os que deitam o lixo para o chão são muitas vezes os mesmos que cometem as maiores loucuras na condução e reagem com agressividade e palavrões quando são chamados à atenção.
O civismo também se aprende nos bancos das escolas, mas é no ambiente familiar que se bebe os conceitos mais básicos. Infelizmente, a pouca escolaridade de milhões de portugueses está associada à falta de civismo e à cultura do desleixo. E este à falta de respeito pelo ambiente e coisa comum, que muitos confundem com algo que pertence a todos, onde se pode fazer tudo, sem quaisquer punições.
Mas há também o contrário: aqueles que até têm elevados níveis de formação - veja-se o caso de alguns estudantes universitários - que praticam actos que reflectem pouco civismo, como aqueles que conspurcam as ruas das cidades de centenas de latas de cerveja ou fazem barulho até altas horas da madrugada, à porta de bares e discotecas, perturbando o sono do vulgar dos mortais que mora nas redondezas. Ou outros que deixam num recinto onde decorreu um concerto musical mil e um tipos de detritos, incluindo restos de comida, latas de cerveja e pontas de cigarros.
Nestes casos a reflexão é ainda mais pertinente, remetendo-nos para o tipo de sociedade que estamos a construir, o tipo de conceitos que as novas gerações irão pôr em prática, num Portugal de futuro cada vez mais incerto.
Armindo Mendes
(editorial de "O Jornal de Amarante", de 9 de Março de 2006)

terça-feira, 9 de maio de 2006

“Geração do polegar”

Fala-se cada vez mais na juventude da “geração do polegar”, numa alusão aos muitos jovens de utilizam as chamadas mensagens de telemóvel (SMS).
Este mote remete-me para uma reflexão sobre a utilização maciça deste tipo de mensagem. Não sou dos que abomina estas novas formas de comunicação, antes pelo contrário, eu próprio utilizo, esporadicamente, as SMS para envio de pequenas mensagens, o que se torna mais económico do que uma chamada telefónica.
Critico, porém, o uso excessivo que os jovens, sobretudo estes, fazem desse tipo de mensagem, hábito que redunda em situações que considero muito negativas. Desde logo, a superficialidade do acto, tantas vezes com mensagens vazias de conteúdo, faz-nos pensar sobre o tipo de relações sociais que os jovens actuais - aqui corre-se o risco de se generalizar - estabelecem entre si, cada vez mais postas em segundo plano face à dependência crescente de “hábitos tecnológicos”, como jogar computador, consolas, navegar na Internet, ouvir MP3, ou ver televisão, momentos quase sempre solitários. Poucos são os jovens que se interessam por um bom livro ou por um bom programa de televisão, tipo documentário, ou peça de teatro, que reputam como coisas chatas para as quais não têm “pachorra”. Numa sociedade cada vez banal, onde até a comida é de tipo plástico - detesto ver a rapaziada a chupar o ketchup das mãos -, os nossos jovens preferem, em grande parte dos casos, coisas mais banais, de consumo imediato – agora não estou a falar das batatas fritas -, que não exijam esforço intelectual para assunção da informação, independentemente do formato em que ela for difundida. Também actos que considero algo perversos, sobretudo nas gerações mais jovens, são hoje moda, como o de beber álcool até cair para o lado ou exibir um cigarro que se fuma em qualquer esplanada, onde não falta música de qualidade duvidosa, com um volume demasiado agressivo para os ouvidos mais sensíveis, impossibilitando uma coisa tão simples entre os seres humanos, que é uma boa conversa.
Outros, impulsionados por anúncios televisivos muito bem feitos, agarram-se aos telemóveis e em poucos minutos gabam-se de mandar dezenas de mensagens, como um adolescente que observei recentemente num café desta cidade, que trocava SMS`s com um colega que estava duas mesas atrás de si. Os polegares da rapaziada, cada vez mais sujeitos e tendinites, até “fumegam”, tal a azáfama com que “teclam” nos pequenos aparelhos. Vai daí, surge a linguagem codificada dos SMS, onde não existe qualquer acentuação ou pontuação, que tenho muito dificuldade em perceber. É aquilo a que eu chamo “vale tudo”.
Os hábitos de escrita já eram exíguos, mas, com o “advento” das SMS é a derrocada total. Hoje poucos são os jovens que conseguem escrever uma frase com “cabeça, tronco e membros”. Tenho uma familiar professora que me mostra alguns textos feitos por alunos dela, a maioria adolescentes. É uma dor de alma ver os maus-tratos que muitos infligem à língua de Camões. Alguns até parecem que estão a escrever mensagens de telemóveis para os amigos, tal é quantidade de erros ortográficos e frases sem nexo.
2 – Um estudo recente conclui que mais de metade dos portugueses não tem poupanças. Conclusão inquietante, mas que só me surpreende pela crueza dos números. Parte dos que dizem não poupar, com certeza terão razões que justifiquem essa situação, tão grandes são as dificuldades económicas por que passam muitas famílias portuguesas, que vivem à custa de salários exíguos, que não deixam margens para poupanças.
Outros há, porém, que não poupam porque estão obcecados por uma onda consumista e de facilitismo, que os leva a comprar mil e uma inutilidades que estão na moda ou a adquirir bens demasiado caros para as suas posses, só porque um carro melhor, uma boa vivenda ou roupa de marca conferem mais “status”. Esses são os que, muitas vezes submersos pelas dívidas à banca, gastam tudo o que ganham, não lhes sobrando um tostão para fazer face a um futuro cada vez mais incerto.
Armindo Mendes
(editorial de "O Jornal de Amarante", de 6 de Abril de 2006)